O novo “inglês” do RH

O RH precisa ter a capacidade de olhar para um dashboard e saber o que perguntar e ter o mínimo de domínio sobre dados

Como na conversa abaixo vamos tratar de dados, inteligência artificial e recursos humanos, que tal uma avalanche deles?

  • pesquisa do Think Work Lab indica que 78% dos RHs mais inovadores no Brasil já utilizam IA, principalmente em processos como recrutamento e comunicação interna.
  • estudo da Caju revela que apenas 47,8% das empresas brasileiras utilizam IA de forma estruturada, e enfrentam desafios como a falta de transparência dos fornecedores e baixa capacitação das equipes.
  • pesquisas da McKinsey indicam que, apesar do crescimento acelerado no uso de IA (com 65% das empresas usando IA generativa e 72% adotando IA em geral em 2024), há desafios significativos na adoção, especialmente relacionados à gestão de mudança, capacitação das lideranças e compreensão dos modelos usados.
  • de acordo com a McKinsey, muitos líderes e equipes têm dificuldade de explicar o funcionamento dos modelos de IA (como foram treinados e como operam), o que impacta a confiança e a adoção eficaz da tecnologia.
  • e ainda sobre ela: mais de 60% das empresas enfrentam resistência ou falta de engajamento adequado por parte dos gestores no uso e integração da IA em processos de RH e outros fluxos estratégicos.

Ou seja, a inteligência artificial deixou de ser promessa para se tornar prática, mas com riscos. E nenhum setor sente tanto esse impacto quanto a gestão de pessoas. Afinal, estamos falando de decisões que afetam vidas. Contratações, promoções, avaliações de desempenho, demissões. Com tantos processos sendo reconfigurados por algoritmos, como o RH pode assumir o protagonismo da transformação digital sem abrir mão da ética e da justiça? É exatamente sobre isso que conversamos com Thamires Souto, especialista de educação corporativa da Localiza&Co.

Thamires faz alertas importantes: o risco de se comprar uma “caixa-preta” sem questionamento, o fracasso por falta de letramento digital e o perigo de delegar decisões éticas à máquina. Ela também aponta qual é a hard skill essencial para o RH de hoje – e  mostra como uma automação simples pode abrir caminho para ações verdadeiramente estratégicas.

Para evitar que o RH compre uma “caixa-preta” com vieses ocultos, qual é a pergunta mais importante e incisiva que um líder de RH deve fazer a um fornecedor de software de IA antes de assinar o contrato?

Essa: “Você pode me mostrar, com transparência, quais foram os dados de treinamento do modelo, quais recortes foram considerados e como os vieses são monitorados hoje?”

Não adianta o fornecedor dizer que “tem IA” se não sabemos com base em que ela foi treinada, que tipo de padrão está replicando, e se há um mecanismo real de revisão e correção. É a diferença entre uma ferramenta que nos ajuda a pensar melhor e uma que apenas acelera os mesmos vieses, com mais eficiência.

Muitos projetos de IA, caríssimos, fracassam não pela tecnologia, mas pela baixa adoção. Onde está o “vale da morte” da implementação? É a falta de treinamento dos gestores, a desconfiança da equipe ou um erro no design do processo que torna a ferramenta mais um fardo do que uma ajuda?

O “vale da morte” da implementação, para mim, está na ausência de letramento. Sem um entendimento claro sobre o que é a IA, o que ela resolve e, principalmente, como ela transforma o modo como trabalhamos, a tecnologia vira mais uma camada de confusão. A capacitação precisa acontecer de forma transversal, contemplando desde líderes até as equipes operacionais. Quando as pessoas entendem o “porquê” e o “para quê”, a adesão deixa de ser um desafio técnico e passa a fazer parte natural da cultura.

Ao desenhar um processo seletivo ou de avaliação de desempenho com IA, em qual etapa você considera absolutamente obrigatório e inegociável inserir um “checkpoint humano”?

No mínimo, antes de qualquer decisão que impacte diretamente a vida de alguém. Seja desligamento, promoção, exclusão de um processo seletivo ou rotulação de “baixo desempenho”. A IA pode ser uma aliada na análise, mas a decisão deve ser feita por pessoas. Por mais que a IA acerte em padrões, ela não entende contexto, trajetória ou potencial como um ser humano é capaz de entender. No RH, o julgamento humano não é apenas uma questão ética, é uma questão de fazer sempre o certo, de justiça.

Qual é a competência técnica, a hard skill (seja análise de dados, engenharia de prompts ou design de algoritmos) que se tornou não-negociável para o profissional de RH que quer ser protagonista, e não vítima, da transformação digital?

Eu diria que alfabetização em dados é o novo “inglês” do RH. Não precisamos virar cientistas de dados, mas sim ter a capacidade de olhar para um dashboard e perguntar: “Este indicador está revelando o quê, de fato?”, “Existe algo importante escondido aqui?”. Se não tivermos o mínimo de domínio sobre dados, acabamos comprando ideias, discursos e soluções enviesadas sem perceber. E isso vale inclusive para interpretar o que uma IA está priorizando.

Para provar que o esforço vale a pena, é possível dar um exemplo concreto de uma tarefa altamente burocrática do RH que, ao ser automatizada pela IA, liberou tempo e energia da equipe para que ela pudesse criar uma nova iniciativa verdadeiramente estratégica?

Um exemplo bem concreto e simples: a consolidação de comentários em pesquisas que possuem campos qualitativos. Quando a IA assumiu essa etapa, com critérios bem definidos e monitoramento adequado, os times conseguiram sair da lógica de volume

e passaram a ter tempo para aprofundar no entendimento e conseguindo mais análise de dados, algo que antes era desafiador, porque o time estava soterrado em tarefas operacionais. A IA não substituiu ninguém e sim liberou o time para fazer o que realmente importa.

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IA: impacto na gestão de pessoas e nos resultados
19 de agosto
às 15h35
no palco 2, do CONARH